A Warner de Zaslav e o futuro perecível do streaming


Sábado de manhã. Você levanta, faz suas respectivas cerimônias matinais, pega um pouco do seu cereal favorito, volta pro quarto e vasculha sua estante em busca do box daquela série animada que você tanto gosta.

Verifica qual temporada quer assistir, abre a capinha e coloca no DVD. Já de primeira vem aquele aviso gostoso de anti-pirataria do FBI. Depois, você dá uma olhada na listagem dos episódios, confere os títulos pra ver se lembra de algum e por fim mete pra rodar algum capítulo obscuro de Bob Esponja que você presume nunca ter visto. Ah, é…ainda fica hipnotizado com aquele screensaver do DVD que fica pra lá e pra cá mas nunca chega a tocar nos cantos. Ô tempo bom esse que não volta mais.


Lembra disso aí?

Tá, eu admito que boa parte dessa idealização é simplesmente nostalgia em seu estado mais bruto. Porém, devido a acontecimentos recentes na indústria do entretenimento digital, eu meio que tento dar um contexto novo pra essa declaração.

Se você ainda não sabe, o Eike Batista de Hollywood que agora reside como presidente da Warner Bros Discovery - o infame David Zaslav - começou a por em prática suas estratégias de economia financeira nessa semana. Estratégia que consiste em apagar por completo inúmeras séries e filmes que estavam na sua plataforma mais usada, simplesmente pra poder economizar alguns “cinquentão” na folha de pagamento do fim do mês.

Séries como Infinity Train, Mao Mao, Elliot from Earth e inúmeras outras foram expurgadas da HBO Max de vários países e deixaram fãs ao redor do mundo desamparados e sem ter pra onde correr. Em alguns casos, nem se teve a possibilidade de comprar as séries pelo iTunes ou Amazon (vide Final Space).

A coisa fica ainda pior quando se fala em tratamento direto com os criadores e atores dos projetos-vítima. Talentos como Owen Dennis, o criador de Infinity Train, disseram que simplesmente nem foram avisados da saída de seus conteúdos do streaming. Segundo Owen, isso causou uma revolta na indústria e queimou por completo a reputação que a nova Warner nem sequer tinha começado a construir.

Além disso ser ruim pra indústria como um todo - estabelecendo um precedente preocupante para milhares de criadores e artistas tentando ter alguma autonomia num ambiente inundado por executivos bilionários - isso também afeta a relação duradoura que o estúdio tinha com um leque de renomados artistas e visionários do meio. Ninguém vai querer trabalhar lá sabendo que de uma hora pra outra: PUFT! Teu projeto foi pro escambau.

Beleza, Fábio. Entendi o que tá rolando. Mas e aí? O que essas mudanças da WBD tem a ver com o tema principal desse artigo e porque você tá falando dessa velharia do DVD?

Porque é nesses momentos que sua mídia física não te abandona, concorda? Durante todos esses anos de batalhas e mais batalhas entre streamings, é algo comumente conhecido que as produções sempre vem e vão, sempre chegam e saem de várias plataformas. Mas e quando elas saem por completo de todas?

Claro, ainda temos a possibilidade de pagar 2x mais caro por temporadas separadas de nossas séries favoritas lá no iTunes. Mas realmente vale a pena?

Não era tudo bem mais simples quando uma só caixinha de DVDs tinha tudo que você precisava e ainda te dava de bônus uma efeméride de extras e cenas deletadas? Eu tenho saudade. Não sei você, mas eu me arrependo de ter jogado fora os que eu ainda possuía. O DVD não vai te trair no meio de uma maratona ou muito menos desaparecer sem aviso da sua televisão. O DVD não te abandona.

Nenhum calvo dono de monopólio pode entrar na sua casa e tirar de você aquela coleção bonitona da quinta temporada de Simpsons.

A Warner de Zaslav talvez esteja em uma empreitada para melhorar sua programação no canal Discovery Home and Health: fazer ressurgir o mercado de estantes e racks que acoplam DVDs e players de Blu-ray. Tudo a mando daquela duplinha de gêmeos do barulho que reformam casas. Vai ver eles acham TVs com rack mais elegantes, tenho certeza que deve ser isso!

Mas a verdade é que enquanto cada vez mais séries sofrem expurgos no streaming, vale a pena pensar caridosamente em manter ou até expandir sua coleção física por mais alguns anos. Acredito que, na verdade, elas ainda vão estar por aí por muito mais tempo.

Até que possamos ter 100% de garantia na solidez digital das commodities audiovisuais, é sempre bom termos perto de nós aquelas obras que mais nos tocam e nos emocionam.

A vida precisa de arte. Sem ela, nosso vazio se multiplica pelo além. E ninguém, nem mesmo o Roberto Justus da Discovery, deve se sentir entitulado a tirar isso de você.

Fabio Silverio

Redator e colunista sobre TV, streaming e cinema. No Twitter como @fagulhu